terça-feira, 26 de julho de 2011

Como sentir falta do que não se tem?


Ter filhos é uma escolha. Vamos pensar somente na pessoa que usou a sua escolha para TER um filho. Descartam-se os “acidentes” (embora a minha concepção de “acidente” seja muito mais restrita do que realmente se propaga), e os casos pensados por vingança ou tentativa de “união”. Vamos pensar em uma “escolha do mundo de moranguinho”, para que se tenha o mínimo de influência externa possível.

Deve-se pensar em tudo o que implica essa escolha. Não é simplesmente ter um filho pq as pessoas cobram, ou pq vai-se ter alguém para cuidar na velhice, ou pq se acredita que HOJE a condição financeira permite.

Pois bem, a criança nasce. Primeiros dias são tranquilos, e a criança pouco chora. Tem-se a impressão de que as crianças “dos outros” são pirracentas, e que o próprio filho é um doce e nunca vai dar trabalho. O ser humano tem uma dificuldade enorme de projetar futuros, acredita que “futuro próximo” é coisa de uma semana. De repente, o bebê começa a chorar. E os pais não sabem o que fazer.

Os órgãos do bebê ainda não estão totalmente formados, e a adaptação do aparelho digestório do bebê ao novo alimento é complicada. Muitas cólicas, muito choro, muitas noites sem dormir, além dos dias também. Nesse ponto, o pai já voltou a trabalhar e a mãe se vê sozinha pra cuidar de um ser que ela não conhece. O desgaste psicológico é grande, e a cobrança também. Muita gente acha que só pq a pobre está cuidando da criança, não faz mais nada durante o dia todo. Como se cuidar de um bebê fosse dar o peito duas vezes por dia, e trocar a fralda fosse a coisa mais rápida do mundo! No resto do tempo, ela PODE cuidar da casa, fazer comida para ela, lavar as roupas dela, do bebê e do marido, tomar um banho tranquilamente, fazer as unhas, cuidar do cabelo. E sozinha. Sem ninguém para conversar e até mesmo reclamar, pois além de tudo, reclamar seria assinar o atestado de péssima mãe. Se todas as mães do mundo adoram cuidar de suas crias, pq ELA seria diferente e estaria cansada com isso. Mãe horrorosa, tem que amar o filho acima de qualquer coisa e NUNCA reclamar! Tem que AMAR essa nova condição.

Estamos ainda nos primeiros meses de vida da criança. O desgaste é enorme, tudo é feito em função do bebê. Seus horários são em função das mamadas e trocas de fraldas dele. Você pode fazer alguma coisa quando ele dorme, mas sempre de olho na criança.

O tempo vai passando e a pessoa não tem mais vida própria. Tudo continua em função do bebê. Enquanto o pai continua sua vida normal fora de casa, vendo gente, conversando com pessoas, distraindo a cabeça, a mãe fica enfurnada dentro de casa com uma pessoinha muito amada, mas que quase não interage. Por mais que se ame aquele bebê, ele não conversa, ele não ouve, ele só sorri de vez em quando.

Sair sozinha com um bebê de colo é complicado. O carrinho é um trambolho, e ainda tem a mala que tem que levar. Muitas mães desistem de sair de casa por conta do trabalho que dá. Mas a mãe PRECISA interagir com pessoas que não são seus próprios pais e sogros, cheios de cobranças e exigências (principalmente de sogros. Mãe de homem realmente inferniza a mulher pq ela se sente mais mãe da criança do que a própria mãe! Mas isso é outro assunto).

Aí começa a anulação. A mãe se anula cada vez mais em função da criança. Na realidade, é em função dela mesma. A solidão é dela, não foi a criança que provocou. Foi a escolha dela que provocou isso. É a maneira que a mãe lida com a situação que trouxe a anulação para ela.

A criança cresce e “criar” somente não é suficiente. Criamos cães, gatos, criamos animais. Uma criança precisa de EDUCAÇÃO, não somente de alimento. A educação tem duas “frentes”: conhecimento, que é fornecido nas escolas, e FORMAÇÃO, que é passada pelos pais. Isso, talvez, seja o maior desafio que existe ao educar um filho. Pois é um ensinamento diário, que não se finaliza tão cedo. Valores, limites e consequências só podem ser passados pela família. Dificilmente alguém de fora conseguirá influenciar na formação de um ser.

Tenho visto o sofrimento de amigas e da minha irmã com seus bebês. Por mais que as pessoas tentem enfiar na minha cabeça que apesar de todo esse sofrimento, ter um filho compensa, não me sinto preparada para enfrentar esse sofrimento. Prefiro aprender com a experiência delas e não sofrer dessa forma.

“Ahh mas não existe amor maior que o amor por um filho”. Acredito. Mas se eu não tenho, não tenho do que sentir falta. Só se sente falta do que se tem. Se esse amor for me anular, e se eu tiver que sofrer tudo isso para “me descobrir”, prefiro não sentir esse amor. Principalmente pq para mim, amor não implica em sofrimento. Se sofre, não é amor.

Minha escolha é não sofrer.